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sexta-feira, 18 de março de 2011

Pensando sobre a entrevista inicial em Psicoterapia Junguiana

Retomo minhas reflexões após uma (não tão) breve pausa decorrente da correria do dia a dia. E confesso que dialogar através desse espaço me fez falta.

O ano começou de verdade, com ele as obrigações profissionais. Volto a me envolver pelo consultório e pela faculdade, e foi a combinação dessas duas atividades que me fez voltar a escrever aqui.
Ao supervisionar estagiários de Psicologia na abordagem da Psicologia Analítica, sempre encontro dificuldades no que se refere a apresentar-lhes bibliografia sobre a metodologia da psicologia de Jung, dificuldade aliás muito maior do que a encontrada por minhas colegas psicanalistas e comportamentais.
Neste semestre senti ainda mais tudo isso ao iniciar a supervisão de Psicodiagnóstico, em que a entrevista é parte importante da proposta da disciplina. E foi no livro "Methods in Analytical Psychology" (infelizmente não traduzido para o português), de Hans Dieckmann (1979), que pude aliviar suprir um pouco dessa falta (minha e dos alunos).



Sabe-se que em Psicologia Analítica não se procura seguir modelos ou padrões, mas ao mesmo tempo considero ser importante haver uma metodologia da prática bem definida. Portanto, aqui, exponho as ideias que considero as principais trabalhadas por Dieckmann no segundo capítulo: "The Initial Interview". Com isso, pretendo ajudar não apenas iniciantes na prática da Psicologia Analítica, mas também psicoterapeutas junguianos experientes, que, com o tempo e a prática, acabam deixando de se atentar para detalhes relevantes como os ressaltados pelo autor.

Dieckmann baseia sua explanação na ideia de que em Psicologia Analítica não se propõe uma anamnese estruturada, uma vez que entende que ela é um procedimento não analítico. O autor afirma que fazer perguntas pontuais e a pressão inconsciente do interesse do analista em obter o máximo de dados biográficos possível, exerce um alto grau de controle que mantém o paciente no campo da consciência e presta pouca atenção ao material inconsciente. Considero ser esta uma ideia muito importante!!!
Observo que os ditos "junguianos" fogem de metodologia temendo se afastar do paciente e seu inconsciente, e considerando o dito anteriormente, compreende-se que esta fuga tem sua razão de ser. Ao se prender a um "objetivo", no caso, a coleta de informações específicas, corremos o risco de não olhar para a pessoa que se coloca à nossa frente, a escuta deixa de ser analítica.

Pensando mais praticamente, o autor coloca que duas coisas são importantes na entrevista inicial:

1)      As observações que o terapeuta faz do paciente: aparência e comportamento, transferência e contratransferência que apareceram, sintomas observáveis facilmente
2)      O conteúdo do discurso do paciente: atenção ao que o paciente comunica espontaneamente; não fazer perguntas diretas; perguntar o que se considera importante ao final da entrevista; sintomas que o paciente relata e aqueles observados ou suspeitados que o paciente não mencionou; força e diferenciação dos sintomas a partir do material compartilhado espontaneamente, evitando perguntas de sintomas periféricos; situação que precipitou a situação (o que o trouxe aqui); importante é o que pareceu mais significativo para o paciente e como ele se sentiu na situação; situação atual da vida; histórico familiar; como foram as transições de fases da vida.

Desta forma, a entrevista deve mostrar para o paciente que ali há a oportunidade de se abrir, se entender e ter ajuda para olhar os problemas do passado e do presente sob novo enfoque. Compreender que dominantes do consciente coletivo estão em relação conflituosa com material inconsciente ou com as tendências do inconsciente e a extensão a que esses dois pólos estão separados na psique do paciente.
A seguir apresento uma pequena lista de aspectos que Dieckmann ressalta como sendo importantes na entrevista inicial, devendo o terapeuta se atentar a eles:
Aparência do paciente: como ele é fisicamente e como se apresenta
O comportamento do paciente durante a entrevista inicial: importante observar as expressões não verbais do comportamento do paciente, movimentos do corpo. Como temos ideias específicas sobre a psicodinâmica subjacente de um complexo, é possível fazer afirmações extensas sobre os problemas de uma pessoa sem que ela nos diga uma palavra
Transferência e Contratransferência: importante estar atento aos sentimentos e fantasias que aparecem do momento que o terapeuta conhece o paciente até o fim da entrevista. Tal auto-observação cuidadosa é uma fonte de informação sobre o que o paciente está experienciando. Deste material observacional de nossas reações contratransferenciais podemos discernir a transferência do paciente e modelos que ocupam relacionamentos com seu conflito psíquico fundamental. Considera-se que há aspectos subjetivos nessa relação e que o terapeuta deve levar em consideração sua própria personalidade e estrutura.
Tipologia: tentar identificar o tipo psicológico do paciente. A atitude é mais facilmente identificável na entrevista (introvertido ou extrovertido). Também é possível identificar se ele se apresenta predominantemente com as funções racionais e se orienta seus julgamentos em termos de certo e errado, tendendo a pensar e suprimir seus sentimentos (tipo pensamento), ou se o julgamento é orientado mais em termos de simpatia ou antipatia, e inclui e é orientado mais pela expressão dos sentimentos (tipo sentimento). Identificar a presença de intuição e sensação (outros dois tipos) demanda compreensão mais profunda do material da entrevista inicial. Deve-se aceitar o aparecimento de mais de um tipo psicológico.
Conteúdo das pontuações do paciente: é recomendável deixar o paciente tomar a dianteira no início da entrevista inicial e deixar a tensão aparecer, ficando alguns minutos em silêncio ao invés de guiar o paciente com perguntas iniciais como “O que o traz aqui?” ou “Como posso ajudá-lo?”. É importante qual das três grandes áreas o paciente tende a acentuar no curso de seus comentários: material biográfico, situação atual ou sintomas, sua descrição e possíveis interconexões. As perguntas do terapeuta devem servir para aprofundar sua compreensão do material do paciente e cautelosamente construir algumas pontes entre as várias áreas da neurose que são psicologicamente relevantes. Mas deve ser deixado para o paciente a decisão de cruzar ou não essas pontes. Também são relevantes os materiais inconscientes que ele trouxer espontaneamente.
Lacuna: descrição de omissões notáveis que apareceram durante a entrevista inicial ou durante reflexão subseqüente sobre o material. É comum que se possa inferir mais a partir do que o paciente não falou e o que omitiu do que a partir do que ele disse. Questões que o paciente deveria abordar na primeira entrevista: biografia incluindo as pessoas mais importantes, situação conflituosa que levou à doença, situação de vida atual, comentário sobre como lida com oralidade, poder, sexualidade e relacionamento.
O complexo central: na entrevista inicial o terapeuta deve ter uma idéia do complexo principal que atinge o paciente. Ao fazer diagnóstico com base nos complexos, deve-se limitar a falar dos complexos materno e paterno, sombra, anima, animus e persona.
Testes e medições: utilização de testes projetivos.
Resumo da primeira entrevista:
1)      Sintomatologia com ênfase nos sintomas primários (aqueles que trouxeram o paciente ao terapeuta)
2)      Descrição detalhada da aparência e comportamento do paciente
3)      Descrição do conteúdo verbal da entrevista, incluindo transferência e contratransferência, e omissões do paciente
4)      Os resultados das reflexões do terapeuta sobra a psicodinâmica do paciente e o desenvolvimento de sua condição neurótica
5)      Um diagnóstico que inclua estruturas psíquicas, tipologia e complexos
6)      Um prognóstico que se refira à adequação do paciente ao tratamento analítico e a possibilidade de individuação

Desta forma, espero ter contribuído para o esclarecimento de fantasias e dúvidas de iniciantes na prática da psicoterapia junguiana e para a ampliação do conhecimento e técnica de psicoterapeutas.

Pretendo não demorar tanto para escrever dessa vez, e aceito sugestões de temas para discutir por aqui!

Até logo!!!