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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Consciência de Fracasso

Como prometido, volto para falar de fracasso!

Me deparei com esse tema ao ler, com duas queridas amigas, o livro "Ansiedade Cultural", de Rafael Lopéz-Pedraza, no capítulo "Consciência de Fracasso".
Esse é o autor, gênio!


Essa foto foi presente da minha querida analista, e me inspirou a voltar a escrever...

mas voltando...

Logo no começo do capítulo, o autor diz que "o fracasso e o que lhe diz respeito está fortemente reprimido" (p.92) e

"Se alguém vem me ver e falar comigo, em outras palavras, entrar em terapia, é porque algo fracassou em sua vida: os moldes em que vivia já não funcionam, fracassaram, demoronaram. Isto é, na psicoterapia a pessoa que se encontra na minha frente está vivendo um fracasso e, apesar dos níveis superficiais em que às vezes aparece, usualmente esconde complexidades insuspeitadas" (p.92)
É isto o que se dá em psicoterapia, é o espaço em que se permite falar sobre o fracasso.

Sabemos e sentimos na pele que a sociedade de hoje é construída sobre o sucesso, só ele é reconhecido e valorizado. Os fracassos são excluídos, jogados para debaixo do tapete, são o "não-dito".
Enquanto psicoterapeutas, também estamos envoltos por essa cultura, e fugimos de nossos próprios fracassos, e muitas vezes, acabamos levando o paciente a fugir de seus fracassos!
Se buscamos sucesso a todo custo, este se transforma em um complexo autônomo (no termo cunhado por Jung), suprimindo a possibilidade de conexão do ego com outras realidades, e entrando num estado fantasioso de que somos plenos merecedores de sucesso.
Assim, o sucesso torna-se irreflexão, a atitude se torna unilateral, e o fracasso, na sombra, se distancia do ego. Há um distanciamento da reflexão, do aprofundamento, da totalidade, do Self.

A vida passa a ser regida por Apolo, o deus que personifica a unilateralidade do brilhantismo e da visão do sucesso que domina a vida. Aí falta Hermes, deus que vive sempre no limite, na borda, com ele não há unilateralidade, há sempre equilíbrio.
Se retomamos a ideia que apresentei em um post anterior, da psicoterapia hermética proposta pelo mesmo autor, entendemos que o espaço psicoterapêutico é um espaço que deve permitir o contato com essa sombra (no sentido junguiano da palavra mesmo!), e portanto, da totalidade do ser humano.

A psicologia de Jung, como a psicologia dos opostos, busca sempre a compensação da consciência coletiva, na busca pela individuação, e tal processo passa por acessar conteúdos negados, como a fragilidade do ser humano e seus fracassos.

Porém, esse trabalho só poderá ser feito com nossos pacientes se nós mesmos, enquanto terapeutas, estivermos atentos a essa inflação de identificação com o sucesso. Em nossas vidas pessoais é importante o reconhecimento e aceitação do fracasso, mas como profissionais também, é arriscado quando fugimos de nossas inseguranças, nossos erros e dificuldades!
Para Jung, o psicoterapeuta deve se colocar diante do paciente, antes de tudo, como uma alma humana, com tudo o que lhe é cabível, inclusive os fracassos. Quando se mostra "fracassado" ao paciente, permite que este também o seja, e é aí que começa o aprofundamento no sentido de nos aproximarmos de nós mesmos!

"Temos de saber, pois sentimos assim, que o que chamamos de consciência de fracasso é algo interior e muito obscuro. Quando nos referimos à consciência de fracasso, nunca estamos nos referindo a algo a que podemos chegar mediante esquemas de fácil acesso. A consciência de fracasso pertence, e creio que isso estamos compreendendo agora, a áreas obscuras nas quais se move nossa interioridade. (...) é algo mais precioso e muito psíquico, é evasiva, vem e vai, e com isso nos indica suas características mercuriais. É uma consciência média e obscura, cujo sítio é o umbral e sua luz crepuscular. Mas é nesse lugar que nos reconciliamos com nossas mortais limitações e, fazendo isso, encaixamo-nos nos limites definidos do nosso ser e dentro da realidade que somos. É isso que torna possível a imagem com suas possibilidades de uma vida culta". (p.127-8)

3 comentários:

  1. Excelente Post Deborah,

    é tão dificil fracassar, e é mais dificil ainda admitir que é possível fracassar.

    Como seria a vida sem uma certeza cega, uma "fé" injustificada de que tudo vai terminar bem?

    Friamente se refletirmos não vai.
    Ou pelo menos, é uma questão de probabilidades. Nunca uma certeza, e o fantasma do fracasso nos rondando sempre.

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  2. Marcos, obrigada pelo comentário!

    Se as coisas vão acabar bem ou não, nunca sabemos!

    Fato é que o fracasso nos ronda não no sentido de as coisas não darem certo em nossas vidas, muitas vezes questiono até o que é dar certo.
    O que precisamos pensar é no quanto somos falíveis, que também somos sombra e não só luz!

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  3. Essa pluralidade é o tempero da vida!! E o gostoso é "olhar" para isso, experimentar e experienciar...

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