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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Um pouco sobre o trabalho do analista

No decorrer de sua obra, Jung pouco falou sobre método e técnica, sendo que em muitos momentos, ao abordar o tema, se coloca veementemente contra o estabelecimento de uma metodologia do trabalho analítico. Nos poucos momentos em que se refere a este assunto afirma que seu método consiste em provocar intencionalmente o que a natureza produz inconsciente e espontaneamente e integrá-lo à consciência e seus conceitos, tratando-se de um método hermenêutico, um processo de interpretação sintético ou construtivo, e destaca o fato de que toma o processo natural de individuação como modelo e diretriz para o o seu método de tratamento (Jung, 1987).
Fica claro, diante do exposto, que o processo de individuação, como o processo de "tornar-se si mesmo" (Jung, 2008: §266), é a meta principal da análise e do trabalho a ser realizado nela.
Neste encontro de almas que é o encontro analítico há um trabalho a ser feito, um trabalho que Gambini (2008) nomeou como o "ofício de terapeuta". A palavra ofício, em latim, officium, se refere a fazer um trabalho, fazer uma obra.  Este autor relaciona o ofício do terapeuta ao opus alquímico e ao trabalho agrícola, um tipo de ofício que se diferencia dos outros, uma vez que, aqui, "sempre existe um dado indisponível, uma pergunta sem resposta, um não-saber a respeito das leis que governam a vida, o vir a ser, a relação entre mente e corpo" (Gambini, 2008:141).
Barcellos (2012) afirma que o trabalho é um tema por excelência da psicologia profunda, especialmente na ideia central de Hillman do cultivo da alma (soul making), que é o trabalho de fazer alma. O autor ressalta que o trabalho analítico é um trabalho de criação, em que uma psique criativa "se cria a si mesma por meio de processos de construção e destruição"  (Barcellos, 2012: 17).
O processo analítico, conforme se aprofunda, coloca em movimento sofrimentos e acontecimentos misteriosos.

É um fato curioso constatar a freqüência com que todos, até os menos aptos, acham que sabem tudo sobre psicologia, como se a psique fosse um domínio acessível ao conhecimento geral. No entanto, todo verdadeiro conhecedor da alma humana concordará comigo, se eu disser que ela pertence às regiões mais obscuras e misteriosas da nossa experiência. Nunca se sabe o bastante neste domínio (Jung, 2009: §2).

É muito fácil, tanto para o analista como para o analisando, perder o sentido de direção. Eis por que, apesar de constatar-se a unicidade de tal processo, há, ainda assim, um desejo e busca por teorias e técnicas que ofereçam um sentido de orientação. O grande desafio aqui é fugirmos do leito de Procusto.

Por tudo isso, e levando-se em consideração as características da psique, nosso material de trabalho, é que se deve buscar por categorias de trabalho que possam compreender a psique no âmbito da própria psique. Para Edinger (2006), é isso o que fazemos quando tentamos compreender o processo da psicoterapia em termos de alquimia.  Um velho ditado alquímico exorta: "Dissolve a matéria em sua própria água".

4 comentários:

  1. Adorei o Texto Deh, Parabéns.

    Amanda Rondini

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  2. Boa reflexão.
    Penso que Jung propõe neste processo incentivar uma luta constante contra o orgulho e o egoísmo, que agem como verdadeira sombra impedindo o desenvolvimento do Espirito(alma).
    Dai a necessidade não impor sua força psíquica sobre o paciente.

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  3. Daí a necessidade do analista não impor sua força psíquica sobre o paciente.
    Só para corrigir.

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